Gospel Mermaid

Ninguém jamais poderia dizer que não ouvia sua voz com demasiado prazer.
Era quase como um anjo.
Poder-se-ia dizer que até seus ouvintes mais céticos e indiferentes seriam facilmente encantados pelo doce som da sua melodia.
De forma peculiar conquistava não só os ouvidos, mas o coração de sua platéia, fosse quem fosse.
Tudo naquela figura soava como celestial, divino.
Até o seu nome:

Angélica.

Era visível que havia recebido um dom.
Um talento.
Nunca teve medo ou vergonha de usá-lo.
O fazia sempre graciosamente.
Para contentamento de todo aquele que já a escutou.

Uma antiga tradição lhe dizia que deveria, sim, todas as vezes que cantasse, depositar algo de muito valor naquele velho altar. Uma rara pedra de rubi - que em muito lembrava o formato de um coração humano. 

Assim era.
Toda vez que cantava, realizava o ritual.
Sentia-se plena de paz e contentamento.

Mas um dia ela se cansou.
De dar glória a quem merece.
De ser apenas um vaso de barro.
Quis mais.
Quis o mundo e tudo o que podia ser nele.

A dor da transição foi momentânea.
Um segundo.
Entre tirar suas vestes limpas, claras e lindas e vestir-se da mais profunda escuridão da alma.
Adornada de ego e vaidade, caiu da estúpida escada do sucesso ganancioso.
A plenos pulmões cantou mentiras sem fim.
Falou de amores irreais.
Escreveu poesias de desilusões.
Seu canto era desgraça... dor... sofrimento. Sem alento.
Amar não sabia mais.
Sorrir não queria mais.
Era rotina de compassos, notas soltas e batidas.

Mas disso também se cansou.
Quis voltar.
E voltou.
Pro amor.
Pra vida.
Para todas as notas doces e cheias de sentimento.
Se deixou, mais uma vez, levar pelas melodias de esperança.

A graça a encontrou.
Seu coração quebrantou.
Aprendeu, enfim, a quem pertence seu dom, sua voz... seu tudo!









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